quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Texto enviado ao CNPQ

Macambira, 21 de agosto de 1999


À esse mundo injusto e desigual,


Desde pequena, aos embalos dos contos de Cinderela e Bela Adormecida, acreditava em uma vida encantada. À medida que fui crescendo, descobrindo os desejos e angustias da juventude, percebi que não era mais tão simples assim, se tratava de um mundo desconhecido, no qual fiquei perdida sem saber onde estava.


Em casa, quando pai chegava, era sempre do mesmo jeito. A mesa era posta pela tia Filomena, eu ia ajudá-la e o pai – sempre sério – dirigia-se ao quarto, onde tomava seu banho e trocava de roupa. Mesa posta, o silêncio pairava, era aquela monotonia, não havia conversa, não tinha carinho, não tinha nada.


Aquela situação mexia com minha alma. A mãe que perdi tão cedo não estava mais aqui para me ouvir, tirar dúvidas. Pai, ou posso dizer simplesmente Sebastião, nunca se fez presente em minha vida. Durante minha infância o Rafa, meu irmão, sempre foi o predileto do Sebastião. Era só com ele que meu pai brincava, era só ele que podia saí pra brincar, e eu sempre enfornada em casa! Não constituí amigos, simplesmente servi de marionete da casa.


Todas às manhãs eu sempre acordava cedo pra comprar o pão. Era sempre o mesmo sentimento, uma angustia que me apertava o peito ao abrir o portão e me ver na obrigação do fazer para os outros.


Ao chegar o pai já se encontrava de pé, e o meu irmão, como sempre, dormindo das noitadas, das baladas. E na minha sina ia por a mesa do café e lavar os pratos da noite anterior. Engraçado; que eu não conseguia comer enquanto os dois ainda se encontravam na mesa, – meu Deus, pode até ser pecado – mas é sempre mais forte que eu, sinto nojo.


Passa o dia, e eu não sinto que existo - não que esteja morta, deus me livre -, mas porque não acontece nada de novo na minha vida. Só escola, jantar, louça, almoço, café. Nada mais.


O que ainda me faz ter ânimo para ir as aulas é a Marcinha. Nossa, é muito bom conversar com ela, os gatinhos da sala 02 (risos...). Ela é um pouco diferente de mim; – aliás, acho que por causa do clima aqui em casa, sou muito careta – ela fica com um mais lindo que o outro toda semana. Confesso que tenho inveja, mas jamais terei tamanha coragem.


Fico pensando, será até quando viverei assim? A vida de todo mundo é uma maravilha, por que a minha tem que ser assim?


“Véi”, não consigo conversar com o meu pai! Sei que ele é homem, e que não leva jeito para conversar sobre assuntos de mulheres, mas pelo menos ele poderia chegar até mim e aconselhar a não engravidar, a me cuidar, e um monte de Blá..blá..blá que toda garota de minha idade odeia, mas que eu daria tudo por um pouco de atenção.


Sei que minha mãe morreu cedo, mas bem que o Rafa também poderia cooperar. Poxa, é só nós dois de irmãos, poderíamos ser mais unidos, ele poderia não me procurar só na hora de conhecer alguma amiga minha. Mas o que acontece é o contrário... Ele só me esnoba, diz que eu sou uma oferecida que fica com um e com outro - Engraçado, ele me vigia o tempo inteiro, sabe que eu não faço nada, e ainda fica me atazanando-.


O pai é outro tradicionalista. Na minha primeira menstruação, quando fui correndo no maior medo de está morrendo, ele friamente me disse que estava ficando moça, e que era pra eu tomar cuidado, pois ele não iria sustentar filho de ninguém.


O que me revolta é querer sair às vezes com a Marcinha e sempre ouvir a mesma coisa:

- Já vai arrumar homem é?


Fico puta... O meu irmão sempre pode sair para onde ele quiser e só eu que não posso nada! Tenho que ficar em casa, vivendo o meu conto de borralheira, servindo e passando.


Às vezes me dá vontade de sair correndo, enfiar a cabeça na terra, sumir nesse mundão! Mas vou viver de quê? De brisa não dá.


Em meio a tanta desgraça, nas últimas semanas surgiu uma luz no fim do túnel, pra falar a verdade a luz não é luz, é o Ricardo... Haaa... Ele é lindo, não consigo tirar ele da cabeça. No intervalo ele veio falar comigo, eu quase morri (está certo que era pra perguntar as horas, mas já é um bom começo).


Agora estou decidida! Já que sou taxada de sem que fazer, que fico correndo atrás de homens com a Marcinha, darei motivos para isso. No dia da aula de Ed. Física arrumei um pretexto para ficar no time dele de vôlei. Foi à melhor coisa que já tinha feito, fiquei logo amiga dele.


No outro dia já estávamos todos enturmados! Eu e Marcinha conversamos com ele e outros amigos durante o intervalo inteiro. A ”Cinha”, como sempre não perdeu tempo, marcou logo de sair com o Júlio, e eu, no meu conto de Cinderela no ritmo de tartaruga continuei a almejar o Rí (Olha, até arrumei apelido para ele).


Mas essa alegria toda só durava até eu chegar em casa. Era um inferno toda vez que chegava a hora do almoço. O Rafael fazia minha caveira para o pai! Ele por sua vez nem me ouvia, ia logo me esculhambando; que ele não tava para sustentar filha vadia, que se eu arrumasse barriga iria parar na rua, que ele não iria sustentar filho de ninguém. Era um inferno, todo dia a mesma coisa; o meu irmão sempre rindo pelos cantos – Claro, ele podia comer as irmã dos outros por aí, só que a dele tinha que ter vocação para Madre Pérola. Simplesmente patético.


Tudo isso me fez tomar mais raiva dos dois. Nos outros dias cheguei ao colégio revoltada. Até quem um dia chamei o Rí em um canto e tasquei-lhe um beijo. Ele surpreso me beijou novamente, e assim quebrei o meu medo. Foi o primeiro de muitos dias bons. Comecei a namorá-lo.


Os dias estavam mais tranqüilos. O Rafael sabe se lá por que parou um pouco de pegar no meu pé. O pai não reclamava tanto, aparecia o paraíso! Mas um inesperado aconteceu, eu quando fui limpar o quarto do pai como de rotina, me debati com o Rafa pegando dinheiro do pai. Ele quando se virou e me viu, quase caiu de costas! Pediu-me para que não contasse nada, que era por uma causa “justa” (ele havia feito uma dívida de jogo e precisava quitar).


Eu agora estava no comando. Ele implorava todos os dias, me fazia promessas, que não interferiria mais nos meus namoros. Que me deixaria em paz. Porém, para sua surpresa o pai deu por falta do dinheiro.


O pior é que ele me acusou! Falou que só poderia ter sido eu que apanhei o dinheiro, que era uma traíra, que havia criado uma cobra pra lhe picar. Eu tentei me defender, só que ele não deixava. Mas o que mais me magoou nessa história toda foi à reação do meu irmão – se é que posso chamar aquilo de irmão -. Ele apoiou o meu pai, falou que só poderia ser eu que roubei o dinheiro, já que ele não havia pegado nada. Falou que eu merecia ser punida, que não era digna de ser sua irmã!


Para minha surpresa – afinal, meu pai sempre foi bruto, mas nunca violento -, fui espancada com crueldade. O pai que mesmo nos fundos e barrancos eu admirava, pois era trabalhador. Fui posta para fora de casa com uma mão na frente e outra atrás.


Todos viraram as costas para mim, exceto a Marcinha e o Rí. Eles me acolheram e eu acabei me casando com o Rí. Hoje, avalio os meus filhos como sendo a melhor coisa que constituir na vida. Tenho dois filhos, a Jú e o Léo. Ele é um menino com 17 anos e ela com 15. Trato os dois de maneira igualitária, por que sei, por experiência própria, que nunca se pode ser submissa a ninguém. O Léo respeita a irmã como ninguém – e aí dele se não respeitasse-.


Mas o que tiro de lição nisso tudo é fortalecimento. Aprendi a me impor, ser corajosa, e mais do que tudo, justa. È difícil viver nesse mundo machista, na qual a mulher nunca é valorizada, mas tenho certeza de que se fizermos acontecer, conseguiremos chegar a uma sociedade mais justa e tragável.


Espero sinceramente que as minhas experiências aqui relatadas sirvam não só de lição, mas de incentivo à quem se sente oprimida por esse mundo medíocre e insensato.


Atenciosamente,


Borralheira.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Texto apresentado ao CEFET-BA como requisito para avaliação na prova da disciplina de Língua Portuguesa


O Avesso pode ser Reverso

Em meio a tanta mediocridade nas relações humanas, prezamos por um dia que chegaremos a algum lugar menos deprimente. Como se não bastasse tanta banalidade, o preconceito contra a expressão de desejos toma conta cada vez mais dos episódios de nossa vida, reprimindo e acoitando os reais sentimentos das pessoas, que se vêem manipuladas por simplesmente serem “diferentes”.

Enunciados como “ (...) O desejo a nos punir, só porque somos iguais/ A Idade Média é aqui “ evidenciado na música “Avesso” de Jorge Vercilo, mostra o quanto nossa sociedade é preconceituosa perante relações humanísticas, dentre elas a homossexualidade. Nesta música, dotando de metáforas e Romantismo, o eu-lírico exprime seu sentimento por uma pessoa do mesmo sexo, mas deixa claro que o empecilho para o seu amor é o pai do amado, o visinho, a tia, enfim, a Sociedade.

Mas por que tantos impasses a essa questão, se a relação homossexual tem em todo lugar, como no seu prédio, na sua rua, na sua cidade, ou até mesmo em sua casa? O que ocorre é um julgamento do outro sem se colocar no lugar, ver sobre outros prismas. É fácil eu apontar o outro, me esconder atrás das opiniões de outras pessoas, para expressar o que realmente se sente, preconceito.

Isso tudo causa uma tremenda “doença” nas pessoas que se sentem condenadas pelos julgamentos preconceituosos. “Ora, se está todo mundo contra, por que mostrarei meu sentimento por uma pessoa do mesmo sexo? Para se condenado também”. É esse tipo de atitude que muitos tomam para não serem discriminados, tornando destas pessoas infelizes por não poderem assumir o desejo que realmente sentem, como pode ser observado no texto “Encontro Marcado” de Josiane Soares.

Nos dois textos antes mencionados, pode-se evidenciar uma justificativa para o “acoitamento” dos homossexuais em relação a seus sentimentos. No envolvimento com outras pessoas do mesmo sexo, estas, em detrimento da Idade Média na qual vivemos, ficam sujeitas a diversos insultos, “mexericos” que faz com que estas desanimem. Mas em contraposição muitos não se redimem e ousam, como no trecho “(...) Quanto tempo levar, quero saber se você é tão forte que nem lá no fundo irá desejar” da música “Avesso”, que demonstra uma evocação do eu-lírico ao seu amado, na qual ele lhe pergunta até quando ele irá resistir a esse amor, devido as imposições, o que pode ser considerado uma exemplo da nossa realidade.

O que se pode perceber nessa relação toda, é que não há um respeito entre as pessoas, mesmo estas sabendo que não são tão perfeitas para julgar o próximo. Há uma superposição de valores, na qual alguns são estipulados bons, aceitáveis, e outros são tratados como medíocres. Mas o que existe na verdade são pessoas, e valores é construção destas, podendo ser mudados a qualquer momento. Se somos nós que fazemos da nossa sociedade o que ela é, só nós podemos mudá-la. É difícil é, mas não podemos nos “encolher” no canto e simplesmente fazer aceitar as imposições. Devemos desafiar, pois se não tivermos um encontro marcado com a realidade, continuaremos a ser considerados o Avesso da sociedade.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Galeria de Conhecimentos

Galera indico a vocês que são pessoas inteligentes e sagazes que assistam ao documentário "A invenção da infância" de Liliana Sulzbach, que fuçando acabei descobrindo no site da Petrobras: www.portacurtas.com.br!!!

Ele é excelente. Trata do trabalho e mortalidade infantil de uma maneira inteligente, fazendo comparações desde famílias com crianças do certão nordestino às camadas mais "altas" da nossa sociedade, evidenciando os abusos de trabalho infantil, a antecipação de responsabilidades, entre outras que só assistindo para ver!!!

o linck é: http://www.portacurtas.com.br/genero.asp?query=2#

estou postando o linck porque não consegui postar direto na barra de vídeos aqui do blog.

vale de mais a pena conferir... assistam e depois me enviem suas opiniões...

Divirtam-se... abraçooo

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Conto publicado na revista Idiossincrasia do CEFET-BA


Por um sonho... Uma infelicidade


Lennon Pereira


...Era mais uma noite que passava acordado. Aquele frio batendo de lado, quase que congelando o coração, me fazia tremer de horror, de uma falta que me rançava a alma, mas uma vez. Aquele vazio da fome tava tão forte que me fazia delirar, chorar.


Em meio a tudo, acabei adormecendo e no outro dia acordei com a mesma sensação que me atormentava parte da noite, pra não dizer ela inteira! Como não tinha jeito, saí para arranjar alguma coisa, já que meus irmãos pequenos ainda se encontravam dormindo, - coisa que me sossegava, pois assim passariam, mesmo que por curto tempo, sem sentir a tão dolorosa vontade de comer sem ter algo para comer – e minha Mãe já tinha saído para aquela casa grande, onde passava o dia inteiro por uma merreca no fim do mês.


Mas aquela manhã estava diferente. Andei bastante pela comunidade e acabei esbarrando com o Dr. Pedro, homem bom e de influência. Ao ver minha cara de pano de chão esfomeado, perguntou-me sobre minha Mãe. Respondi a ele quase que implorado uma meia dúzia de pão. Ele com sempre gentil, me levou à padaria daquela esquina estreita, e me pagou um pão duro que desceu como pudim.


Voltei para casa com exatos três pães que dividir entre o Edu, a Jurema e a Maria. Mas o que me chamou à atenção foi o olhozinho da Jú, que se encheu de lágrimas ao ver aquele tão grato, mas mísero pão. Passei o resto da amanhã pensando no que iria fazer para o almoço, mas como sempre, nada vinha em minha mente. Nas badaladas daquele relógio empoeirado que achei na rua com o Léo, estava quase que em desespero, pois a Mãe não chegava e os meninos já estavam a perguntar pelo “almoço”.


Em meio às horas se passando, lá do quintal ouvi baterem na velha porta de compensado. Para minha surpresa era o tão bondoso Dr. Pedro, que não sei como descobrira meu endereço, mas estava ali plantado à porta sorrindo.


Surpreso, perguntei-lhe se havia acontecido alguma coisa com a Mãe. Ele me tranqüilizando, falou que não era nada, mas que viera aquele barraco para ver como eu estava, e para fazer uma proposta. Eu, sem palavras, com aquela vergonha de receber um cara tão importante em uma mísera sala com simplesmente uma mesa e três cadeiras de Sucupira, o convidei para se achegar.


Ele falante, eu acanhado, passamos cerca de meia hora conversando. Quando era cerca de 11:40, o Dr. me convidou para almoçar em sua casa - essa altura a Mãe havia chegado, e pelo jeito não conseguira nada - , e eu quase que ajoelhando para agradecer a Deus, aceitei. Fomos todos a caminho da felicidade, era um dos dias mais feliz da minha vida.


A Mãe como sempre desconfiada, não gostou muito da idéia. Mas a casa era linda, uma bancada enorme, tinha cadeira pra todo mundo e foi muita fartura. A conversa foi fluindo, e a Mãe já estava até conversando. E quando todos nós terminamos, a Jurema e a Maria foram brincar no jardim; o Edu foi com a dona Cássia, a governanta da casa, conhecer o filho dela, o Juninho que estava nos fundos da casa.


Quando todos saíram, o Pedro olhou para mim e a Mãe e falou que se emocionou muito com nossa vida. Uma mãe que tentava sustentar seus quatro filhos como empregada em uma casa, - e como muitas outras não estava conseguindo – e o seu filho mais velho, ao ver a situação, saíra também de casa em busca de um meio para suprir a falta da família.


A Mãe sorriu acanhada, e eu sem falar nada, continuei a ouvi-lo. Ele falou que ajudara muita gente que se encontrava em nossa situação. Eram calçados, comida, vestimentas básicas que para ele era tão abundante, mas que para muitos era raro. Ele então, falando de suas vivências, revelou que poderia nos ajudar; Candidatara-se a prefeito na semana anterior, e precisava de pessoas para trabalhar na sua campanha, e eles seriam as pessoas certas, pois eram maiores de 18 anos e precisavam ganhar dinheiro.


A principio achei meio estranho. A Mãe olhou-me com um olhar esperançoso. E o Dr. Pedro logo continuou prometendo-nos melhoras de vida. E então fantasias de fartura me vieram à cabeça; a Jú em fim ganharia a boneca da vitrine da loja “Princesa”, o Edu ganharia a tão sonhada bola de couro para fazer inúmeros gols e a Maria...haaa Maria... ganharia o tão sonhado colchão novo, que por muito tempo era objeto do seu sono, perturbado pelas dores na coluna e pela fome.


O Pedro pelo telefone chamou seu assessor, o “chato” Carlos, que logo veio bajular seu superior. Eles falaram à Mãe que era compromisso sério, que era preciso assinar a papelada para que recebessem parte do dinheiro do mês, e os panfletos para que começassem a trabalhar. A Mãe pensou por alguns segundos e com cara de decepção, disse que não poderia aceitar o trabalho, pois trabalhava há anos na casa da família Medeiros e não poderia deixar um trabalho “fixo” por um “temporário”, mesmo este sendo muito lucrativo, pois o que faria após o término das eleições?!


Foi então que começaram as propostas de que “após” as eleições a Mãe e eu ganharíamos um emprego na prefeitura, e que tudo iria melhorar. Eu seria o porteiro e a Mãe, como já tinha experiência, chefiaria o departamento de serviços gerais.


A proposta foi tentadora, e a Mãe coitada, como estava farta de tanto trabalhar e mesmo assim sequer ter o que dar aos filhos, acabou aceitando. Saímos de lar com uma enorme esperança no peito. Poderíamos agora pensar em pelo menos um almoço decente todos os dias. A Jú e o Edu iriam para a escola de dona Portela. Eu conquistaria a Camila e poderia levá-la para tomar sorvete na pracinha da comunidade. Tudo seria melhor dali por diante, era um sonho que eu não queria acordar, e tudo isso só por “bondade” do Dr. Pedro, homem íntegro que se candidatara para defender e melhorar a vida de pessoas como nós.


No dia seguinte, me lembro como ontem, 17 de agosto, a Mãe pediu as contas da casa dos Medeiros. Foi um barraco, a megera da Lili xingou a mãe toda, falou que era uma ingrata, que era uma oportunista, que não sabia valorizar a ajudar que lhe tinha dado ao empregá-la em sua lisonjeada casa. A Mãe voltou para casa chorando, e eu logo a consolei lembrando que tudo isso iria ser recompensado quando estivéssemos trabalhando e conseguindo levar uma vida digna.


Depois de dois dias o assessor do Dr. Pedro veio nos entregar o material da campanha juntamente com metade do salário do mês, para que começássemos a trabalhar e suprir as primeiras necessidades. Foi uma alegria só; compramos quase tudo de comida, e a mãe fez uma comidinha boa como nunca tinha feito antes.


Começamos a trabalhar logo pela tarde. O Sol era de rachar, mas estávamos felizes em fazer aquela função de alertar ao povo do primeiro político honesto que iria honrar por nossos votos e nossas necessidades. Conhecíamos muita gente na comunidade, contávamos nossa história e íamos comovendo e convencendo todo mundo a votar no Doutor que fizera da nossa vida maravilha.


Mas quando chegou à hora de recebermos a segunda parte referente à campanha, começaram a acontecer coisas estranhas; não encontrávamos mais o assessor do Doutor, procurávamo-lo todos os dias no comitê do partido, mas ele sempre tinha saído ou não viera trabalhar no dia. A coisa começou a nos aborrecer, não tínhamos mais dinheiro e começaram a faltar coisas básicas, como papel higiênico e arroz. Foi necessário ir atrás de Pedro para resolver a situação; ele desculpou-se e disse que iria enviar o dinheiro para a gente em casa, e que iria chamar a atenção de Carlos.


Duas horas após chegarmos em casa, parou um carro na porta. Era Carlos que se desculpando, entregou-nos uma cesta básica e 1/3 do que deveríamos receber em dinheiro. Estranhei a cesta e perguntei, afinal não havíamos combinado nada disso, o que receberíamos era tudo em dinheiro. Mas desconversando, ele disse fazer parte do trato.


Continuamos com o trabalho arduamente. Começamos a sair da comunidade e buscar novos votos. Faltava pouco para as eleições, e tínhamos que eleger de qualquer jeito o Doutor, pois só assim teríamos a tranqüilidade de estarmos em um bom emprego e conseqüentemente ter uma vida melhor.


Para a nossa alegria e angústia, as eleições chegaram. Faltando pouco para as decisões das urnas, já havíamos conquistados muito mais votos do que esperávamos. Dr. Pedro fazia carreatas que levavam o povo ao delírio, era uma festa só.


No dia 05 de outubro de 1999, após muito trabalho de campanha e dedicação o Dr. Pedro foi eleito prefeito de Ribeirinhas. Foi uma festança só, lembro que eu e a Mãe compramos fiado no brechó de dona Filomena roupas para a comemoração. Deixamos os meninos com a vizinha e fomos curtir a festa. Eu convidei a Camila para ir comigo, e no meio da festança eu a beijei pela primeira vez. Foi um dos dias mais feliz da minha vida.


Dias depois da festança fomos ao encontro do Doutor, que nos havia prometido os trabalhos na prefeitura. Mas a partir desse momento sentir que tinha algo de estranho do ar; ele nunca se encontrava em casa ou no comitê; passamos a procurá-lo em toda parte, e todo lugar que a gente ia a resposta era sempre a mesma, que ele não está ou simplesmente está viajando.


A coisa começou a ficar grave, não havia mais nada em casa, a dona Filomena vinha todos os dias cobrar as roupas que compramos para a comemoração; nossa vida de conto de fadas reduziu-se a desgraça novamente. E em um ato de desespero, eu invadi a casa do Dr. Pedro para saber o que estava acontecendo, por que não recebemos respostas dos empregos prometido? – além do que não havíamos recebido a última parte do salário da campanha – Estávamos passando necessidade, sendo que havíamos trabalhado muito e o resultado das urnas devia-se ao árduo trabalho que eu e a Mãe desenvolvemos em toda cidade.


Mas para minha surpresa fui recebido da pior maneira possível. O Doutor gozando de suas mordomias de prefeito fez-se de desentendido perto dos seus colegas burgueses e disse que não havia prometido nada a minha pessoa, que nunca tinha me visto mais gordo. Insultou-me como se eu fosse um reles carente da comunidade e que queria algum proveito da sua vitória nas eleições. Diante de tanto desaforo, comecei a gritar, escandalizar o que aquele infeliz havia prometido. A esperança do emprego na prefeitura, as propostas que fizeram à Mãe renunciar ao emprego da casa dos Medeiros; o que iria fazer agora? Como eu havia de sustentar a família sem o emprego prometido?


Após ser posto a ponta pés para fora da casa do insano, cheguei em casa arrasado! Lembro-me do olhar da Mãe de esperança de que eu tivesse encontrado o Dr. Pedro; o tão bondoso Pedro que fizera ela perder o único emprego para se aventurar em sua campanha eleitoral. O mesmo Pedro que fizera eu iludir os meus irmãos sobre falsas ilusões de uma vida melhor.


Me corta o coração lembrar do Edu me perguntando pela bola de couro que eu havia lhe prometido; a Jú olhando para a boneca na vitrine da loja Princesa; a tão pequena Maria queixando-se da coluna com dor, e o que é pior, eu olhar para a Mãe e perceber que está chorando, se remoendo pelo erro que "cometemos".


Mas agora, o que realmente me incomoda, me fere e me deixa o pior caco do vaso que caiu da mesa, é olhar para os meus irmãos dormindo com fome, prestes a acordarem, sem nada ter para comer em casa; e eu aqui, pensando no que fazer para reverter essa situação; tendo as mãos atadas enquanto, a Mãe coitada, procura emprego nas casas, nas lojas e sempre levando portas na cara.


Agora fico intrigado com uma coisa. Será que é tanto erro assim querer uma vida melhor? Por que teve que ser assim? Que vantagem ele levaria em não empregar uma família que precisa sobreviver? Respostas para essas questões sinto que não há. O que há é um mundo bandido, na qual quem "vence" são os mais fortes, os mais articulados, o mais espertos, os mais "banais"!


Hoje ainda vivo uma ilusão, a ilusão de uma vida melhor, a ilusão de poder dar o que comer a Mãe, a Jú, o Edu, a Maria e ainda a minha esperança, porque por mais árdua que seja minha caminhada para um mundo melhor, eu estarei aqui, apito a arriscar, preparado para enfrentar desgostos, mas certo de que um dia essa vida tão almejada e justa não seja uma Utopia, mas sim uma realidade.